O VAR veio para ficar

De repente, o VAR virou vilão. Não se condena só a maneira como é usado, mas a tecnologia em si. Segundo duas colunas publicadas aqui na Folha nos últimos dias, ele tem defeitos insanáveis. A melhor solução é acabar com a revisão de jogadas em vídeo.

Alguns pontos são de fato importantes. O VAR não reduziu as polêmicas de forma significativa –-ao menos no Brasil. O VAR criou uma nova etapa de insatisfação, já que não haveria sentido em buscar justiça no futebol.  O VAR complicou o jogo.

O caso faz lembrar uma história.

No fim dos anos 60, alguns médicos decidiram fazer transplantes de coração. Cada cirurgia custava uma casa, e o paciente ganhava alguns meses de vida –-ou dias ou horas.. As críticas eram imensas: brincar de Deus, exibicionismo, desperdiçar recursos, causar sofrimento desnecessário. Quem viveu na época sabe o tamanho da rejeição a essa técnica.

Cinco décadas depois, a cirurgia custa um carro, e a sobrevida com frequência é superior a uma década –sem falar em dezenas de tipos de cirurgia, mais baratas e menos invasivas, que surgiram em decorrência dessa. O que teria acontecido se essa cirurgia tivesse sido barrada? Quase todo mundo teria um parente ou amigo a menos.

De volta ao futebol.

Para começar, há uma outra tecnologia apoiando a arbitragem nesta Copa, a que mede se a bola passou da linha do gol. Ela não existe nem no Brasileiro da Série A, C ou na pelada. Para piorar, só os seus criadores conhecem seu funcionamento em detalhes.

Os dirigentes, jogadores e torcedores apenas acreditam na sua eficiência. Acreditam. Não há outra palavra para isso. E há zero polêmica até ninguém sabe como reclamar disso. E isso não faz o futebol menos popular.

O procedimento cria uma etapa a mais de frustração. E por que isso não acontece nos outros esportes? Deve acontecer, mas isso é encarado com mais naturalidade.

O VAR obviamente não resolve todos os problemas nem é perfeito na execução –assim como o transplante do coração. Ainda assim, o problema não está nele, mas na expectativa e na operação.

Mas o que realmente importa são outras questões.

A tecnologia, ainda que de mãos atadas, já existe. Há décadas os torcedores e jornalistas veem o lance no replay. E os jogadores são avisados logo em seguida. O excesso de erros é que fez a arbitragem perder a credibilidade –inclusive porque não podia usá-lo. Até que encontrem solução melhor, o VAR é necessário para reduzir esses erros. Reduzir.

Há mais acertos ou erros provocados pelo uso da tecnologia? Seja para marcar pênaltis, seja para desmarcá-los, seja para confirmar ou marcar impedimentos, os acertos são muito maiores. E não há muito como ser diferente.

O uso do chamado “instant replay” –-o nome genérico– é adotado em várias formas por dezenas de esportes. São os casos do futebol americano, beisebol, basquete, vôlei, handebol, tênis, rúgbi, hóquei, críquete, esgrima… Essa tecnologia é usada há mais de 50 anos. Em vários houve resistência, que passou.

Mas o principal ponto é que não há mais como voltar atrás. Em 15 dias, o VAR com poderes já se incorporou à cultura do futebol. Com ou sem ele, os árbitros serão mais cobrados. Para quem duvida, é só esperar a volta do Brasileiro. A partir do 16 será pior.

O grande desafio da arbitragem é a credibilidade. E para consegui-la é necessário padronizar os critérios, que atos semelhantes sejam julgados de uma forma parecida. E o VAR não atrapalha nisso, ao contrário, ajuda.

O VAR pode e deve evoluir. Talvez os árbitros pudessem um tipo de óculos de realidade aumentada, vendo imagens mais rápido. As decisões deveriam gerar jurisprudência. Deveria haver mais transparência. Mas o mais necessário é ter calma.