Tradição da Fifa ameaça sucesso do VAR

A Copa está mostrando jogos emocionantes, mas um grande astro não está correspondendo.

Anunciado como a novidade deste Mundial, a esperança de reduzir o impacto do apito no resultado, o VAR (árbitro assistente de vídeo, em tradução livre) vem tendo uma atuação irregular. Mas a responsabilidade é menos dele do que do técnico –o árbitro–, ou, melhor, de ter técnicos demais.

Quando foi acionado, o VAR fez um gol atrás do outro. Três dos sete primeiros pênaltis anotados só foram vistos pelas câmeras. O problema é que, em alguns jogos, o árbitro barrou o jovem talento em favor de um veterano: o seu próprio olho.

Um exemplo foi o gol da Suíça contra o Brasil. O árbitro mexicano poderia ter revisto o lance na TV e até ter mantido a decisão. Mas a sua recusa catapultou as críticas e fez até surgirem teorias conspiratórias –no Brasil, claro, afinal somos um pouco viciados nelas.

A causa da irregularidade do VAR é a resistência da Fifa contra retirar qualquer farpa de poder dos árbitros. Já é assim com os assistentes de linha de fundo –os tais adicionais. Usados na Uefa, eles são quase párias em campo. Nem bandeirinha podem ter. Sinalizam girando o corpo pra lá e pra cá, num balé bizarro. Nesta Copa, não foram adotados –e no lance de Gabriel Jesus teriam sido muito úteis (ou não).

No mundo da horizontalidade, das decisões colegiadas, a ideologia da arbitragem do futebol é a verticalização absoluta.

O árbitro tem a última palavra em tudo. Não só marca os lances, distribui cartões, mas controla todos os aspectos do jogo. Isso inclui autorizar a entrada e saída em campo, controlar o relógio e até quando encerrar a partida. No VAR, não só pode recusar a opinião da equipe de vídeo, como nem mesmo precisa rever o lance.

Nos outros esportes, não é assim.

No basquete, para começar, há três árbitros, com igual poder. Além disso, a mesa controla o tempo, as substituições e o número de faltas. Na NBA há árbitro de vídeo. Suas funções vêm sendo aumentadas desde 2003. Hoje ele já pode ser acionado para verficar quase 90 tipos de situação. Em grande parte delas, a consulta é obrigatória.

No futebol americano, há seis árbitros “assistentes”. Cada um tem uma função específica e tem um lenço (o equivalente à bandeirinha). Se alguém vê uma irregularidade, atira o lenço, e o jogo para. O árbitro ouve a explicação, e quase sempre segue a marcação. Quando é o caso, a ida ao árbitro de vídeo é obrigatória, mas a decisão é dele.

No tênis e no vôlei, são os times ou jogadores que chamam a revisão da marcação. No tênis, a decisão digital é soberana. No vôlei, o árbitro é que decide se revê sua marcação. Mas ele não cuida de placar, posicionamento e substituições, funções da mesa.

É claro que os esportes são diferentes no tipo de decisão, no contato físico, no número de atletas e no tamanho do campo. Mas a questão é de ideologia. Em todos os esportes, os árbitros têm responsabilidade e poder grandes. Mas só no futebol se espera que ele seja um super-homem. Antes do VAR, a última grande mudança na forma de apitar havia sido a introdução dos cartões, na Copa de 1970.

Para que a arbitragem, como qualquer forma de gestão da Justiça, seja confiável, ela precisa ser previsível, e, portanto, padronizada. Isso implica reduzir o poder do árbitro. Mas a Fifa insiste em valorizar as diferenças de personalidade dos apitadores e dar liberdade a eles.

Se essa mentalidade não mudar, o VAR corre o risco de ser um grande desperdício de esforço, dinheiro e esperança.