Brasil descobre em Tite um novo Telê, mas nem pensa em outro Sarriá
Nove Copas depois, o Brasil pode ter encontrado um novo Telê Santana. Desde 1982, a seleção teve técnicos respeitados, desprezados e até odiados pela torcida. Mas nunca mais teve um tão admirado, que fizesse a equipe jogar como a torcida espera, pelo chão, com beleza e para a frente. Nem que tocasse tanto os corações brasileiros.
Tite, como Telê, prefere os jogadores mais técnicos. A formação do quadrado Coutinho-William-Gabriel-Neymar mostra essa convergência de visão com a torcida. Esse setor já começa a ser comparado a Cerezo-Falcão-Sócrates-Zico, o meio-campo de 1982. Aquele time encantou tanto que a dor da derrota para a Itália sobrevive até hoje, com um quê de nostalgia.
Mas a aprovação não depende tanto dos jogadores. A seleção de 2006 tinha bem mais elenco. Os astros eram o melhor do mundo (Ronaldinho), o que viria a ser (Kaká), o mais bem pago (Adriano) e o maior astro do planeta (Ronaldo). Tinha ainda um monte de bons coadjuvantes a começar pelos laterais Cafu e Roberto Carlos. Além disso era a campeã mundial, e vinha de três finais seguidas. Ainda assim, Parreira, mesmo campeão de 1994, não era tão querido.
A qualidade do atual elenco é grande, mas não chega a tanto. E a torcida parece mais conectada ao treinador .
A questão é outra, de postura. Como o Telê de 1982, Tite pegou a seleção em baixa, a torcida desconfiada, conquistou a confiança dos jogadores e a reergueu. Mostrou equilíbrio entre bom humor e seriedade, entre doçura e disciplina.
Telê foi um visionário. Numa época em que o futebol era mais vistoso, mas muito mais desleal, Telê liderava a campanha contra os pontapés. Defendia que o time que abdicasse da violência e se focasse só em jogar seria mais vitorioso. E pedia cartões vermelhos aos adversários em quase todo jogo. Sua reputação o fez ser querido por décadas, mesmo na imensa seca pessoal, quando era tachado de pé frio.
Tite vai além de defender o futebol bonito (e nem sempre foi assim: quem não lembra da época do “empatite”?). O que conquistou os torcedores, além das vitórias, foi sua preocupação em exibir coerência, em explicar que todas as decisões estão dentro de uma abrangente visão do futebol e da vida. Ética é sua mensagem mais forte –às vezes cansativa, como nos comerciais de um banco.
Sua defesa das chamadas “coisas certas” já o levou até a ser cogitado para a Presidência da República. É um devaneio, sem dúvida, mas que mostra aonde chegou.
Ao longo dos últimos 50 anos, esse grau de aprovação tem sido raro.
Pela visão popular, desde 1970, aconteceu mais ou menos assim.
Em 1970, Zagallo era um quase novato, que entrou no lugar do polêmico e querido João Saldanha. Foi inteligente e pôs o Brasil para jogar com todos os craques. No timaço do tri, foi um bom coadjuvante.
Em 1974, Zagallo era um retranqueiro mal-humorado. O Brasil foi quarto levando olé da Holanda.
Em 1978, Cláudio Coutinho era um tecnocrata, um teórico que queria mudar a cultura do futebol brasileiro. O Brasil, jogando feio, foi “campeão moral”, em terceiro, após a tramoia argentina.
Em 1986, Telê estava azedo demais e criou confusão. O Brasil era como um café requentado e parou nas quartas, nas mãos do goleiro francês Bats.
Em 1990, Lazaroni era um ET que criou um esquema e falava uma língua que ninguém entendia. O Brasil parou nas oitavas, nos pés do argentino Cannigia.
Em 1994, Parreira era outro retranqueiro, montou um time de pebolim em cima de Dunga e Romário, ganhou o tetra e se salvou. Parcialmente.
Em 1998, Zagallo era um adorável velhinho, mas que não comandava. O Brasil parou na final, na cabeça de Zidane e na crise de Ronaldo.
Em 2002, Felipão era um vitorioso tosco e truculento, que teve sorte com a lesão de seu jogador favorito, montou um time ofensivo e se redimiu com o penta.
Em 2006, Parreira permitiu a seleção mais zoneada da história. O Brasil galático, imbatível no papel, parou nas quartas, no toque de Henry –e nos meiões de Roberto Carlos.
Em 2010, Dunga era um sargentão bem-intencionado, mas raivoso e incompreendido, que brigou com todo mundo e até chutou o banco de reservas. O Brasil parou nas quartas, para a Holanda e seus próprios nervos.
Em 2014, Felipão começou com moral, mas estava superado, não segurou o caos de uma Copa em casa e nos delegou os 7 a 1, na semifinal.
Como Tite vai entrar para a história?
A torcida tem saudades de Telê, mas não de Sarriá.